sábado, 15 de junho de 2013

CONDOMÍNIO – QUAL A PORCENTAGEM DEVE INCIDIR SOBRE A MULTA POR INADIMPLÊNCIA?



CONDOMÍNIO – QUAL A PORCENTAGEM DEVE INCIDIR SOBRE A MULTA POR INADIMPLÊNCIA? [1]

Fábio Campos de Aquino: Mestre em Direitos Fundamentais, Ex-Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP, Advogado, Professor de Introdução ao Direito, Interpretação e Aplicação do Direito, Direito Trabalhista e Empresarial na UNINOVE.
correio eletrônico: fabioaquino@adv.oabsp.org.br

Resumo
O presente artigo discute o real valor a ser aplicado de multa, quando da inadimplência da quota do condomínio. Problema que apareceu com a edição do código civil novo (L.10.406/02), este, fixa uma alíquota de no máximo 2%(dois por cento), contra o determinado pela Lei do Condomínio (L. 4.591/64) que segure a alíquota de até 20%(vinte por cento).
Unitermos: Condomínio; Inadimplência; Multa; Limite

Abstract
The present article discusses the subject on the Real value to be applied of fine, when of the inadimplência of the condominium share. Problem appeared with the edition of the new civil code (L.10.406/02), that sets down an aliquot of at the most 2%(dois percent), against the certain for the Law of the Condominium (L. 4.591/64) that suggests the aliquot of up to 20%(vinte percent).
Uniterms: Condominium; Inadimplência; it Fines; Limit

Introdução

Um estudo desse dilema se faz necessário, apesar da aparente simplicidade. A complexidade do problema da interpretação jurídica é devida, aos “códigos” utilizados na confecção da fala[2] (escrita ou verbal) elemento constante das normas jurídicas, então, como surgem códigos sobre códigos se faz necessário a interpretação do anterior como o posterior.

Abordaremos, se existe duas ou mais normas jurídicas que regulam o mesmo objeto, e se existir, se ambas são válidas(vigentes), configurando, então, uma antinomia jurídica (conflito de normas).

Sobre Antinomia, valemos de elucidativa lição de Maria Helena Diniz:
“A antinomia representa o conflito entre duas normas, entre dois princípios, entre uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular”.[3]

Havendo antinomia, quais os métodos de solução oferecidos pela Hermenêutica poderão ser utilizados para a solução desse conflito e, assim, sem pretender esgotar o assunto, ofertar uma interpretação possível à incerteza dos valores da multa, no caso de inadimplência ao pagamento da parcela do condomínio.

Surgimento do Problema.
Após 11 de janeiro de 2003, com o início da vigência do novo Código Civil Brasileiro (Lei Federal n.º 10.406 de 10/01/2002), iniciou-se uma interpretação que a multa, sobre o débito pelo atraso no pagamento da contribuição individual dos condôminos, fora alterada do limite de 20% (com base na Lei n.º 4.591/64- Lei do Condomínio), para o limite de 2%. Notória a importância dessa interpretação, pois, o débito pode sofrer alteração sensível.

Em princípio, compulsando o direito positivo pátrio, encontramos e destacamos as normas jurídicas Estatais que sustentam a divergência, como segue.
Bases Legais das Alíquotas das Multas.

A base legal, a sustentar a aplicação de 2% (dois por cento) sobre o débito, encontra-se no Art. 1.335, §1.º da vigente lei Civil que dispõe;

“Art. 1.335 ....
§ 1.º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.”

Em breve análise deste artigo, nos mostra que os juros poderão ser convencionados, mas a multa deverá ser de até 2%(dois por cento) sobre o débito.

Já, a multa podendo chegar até 20% sobre o débito do condômino, esta lastreada na chamada Lei do Condomínio (Lei Federal n.º 4.591 de 16, de dezembro de 1964), especificamente em seu Art. 12, § 3.º que dispõe;
“Art. 12 .......
..............
§ 3.º O Condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1%(um por cento) ao mês, e multa de até 20%(vinte por cento) sobre o débito,....”.

Nesta legislação, o juros moratórios são determinados, permitindo seja convencionado o percentual incidente de multa sobre o débito, no limite acima.[4]

Dos pressupostos primários para existência da antinomia jurídica.

Norberto Bobbio, define antinomia “como aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade.”[5]

A doutrina pátria [6], em apertada síntese, mas no mesmo sentido do ilustre mestre italiano, impõe duas condições para que surjam as antinomias, quais sejam: as normas pertencerem ao mesmo ordenamento e, estarem dentro do mesmo âmbito de validade.

Quanto ao mesmo ordenamento jurídico, não seria possível falar em antinomia se tivéssemos discutindo normas no Direito positivo frente às normas jusnaturalistas[7], como também, a observância de qualquer norma internacional sem que a mesma não seja recepcionada pelo ordenamento pátrio.

Sobre o âmbito de validade, a questão circunscreve à necessária e ululante exigência, das normas ditas em conflito, serem perfeitamente exigíveis como conduta ao agente ou destinatário, sendo que para seguir uma deve-se descumprir a outra.

Inicialmente, em nosso estudo, é notório a existência de duas Leis, ambas de nível Federal, com início da vigência em momentos distintos, que regulam o mesmo objeto, ou seja, o valor a ser aplicado sobre o saldo devedor da quota do condomínio, portanto, está preenchido o primeiro quesito.

Agora, é preciso confirmar se ambas estão válidas, como nos ensina Kelsen, para haver conflito normativo as duas normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for não haverá qualquer antinomia, já que uma das duas normas não existiria juridicamente, jamais se poderá afirmar que apenas uma é válida dentro do ordenamento jurídico [8], sem preencher esse requisito, logicamente, não teremos conflito normativo(antinomia jurídica).

Da revogação como forma de retirada da vigência da norma.


A validade normativa, nos ensina o professor R. Limongi França, é suprimida por meio da Revogação, que do ponto de vista de sua “extensão[9], pode ser Geral(ab-rogação) ou Especial(derrogação)[10], materializada por outra norma do mesmo nível e competência, portanto, o trabalho do hermenêuta ou do Poder Judicante será resolver o conflito para o caso concreto, restando ao legislador a incumbência de eliminar o conflito, ressalta-se que mesmo assim, poderá surgir outras antinomias[11].

Segundo o mesmo autor, a Revogação pode ser, quanto ao “modo” ou forma, Expressa ou Tácita, e as explica: “Expressa, quando a lei declara de maneira explícita e inequívoca a inocuidade da lei antiga. Tácita, quando essa determinação só se pode inferir por via oblíqua, analisando-se o conteúdo e a índole do novo estatuto”[12].
O festejado jurista ainda nos ensina “O artigo da lei que trata da matéria fornece-nos os elementos para uma divisão da revogação tácita(Lei de Introdução, art. 2º, §1º) em duas subespécies: a) a daquela que se dá em virtude de incompatibilidade da lei nova com a antiga; b) e a da que se opera quando a nova lei tenha regulado inteiramente a matéria que constitua o objeto do diploma anterior”[13].

Cabe ainda destacar, dentro do ensinamento posto pelo ilustre mestre França, uma distinção constantemente obscura, entre a “geral” da “total”, e a “especial” da “parcial”, e explica:

“Geral, por exemplo, aquela do art. 1.865 do Código[14], que revoga a generalidade das ordenações, alvarás etc., sem a indicação expressa destes. Total, a que substitui integralmente um ou mais determinados diplomas ou dispositivos.
“Especial[15], a endereçada igualmente a uma certa lei ou artigo. Parcial, a destinada a modificar parcialmente uma lei ou artigo.
“Assim, fora de se ponderar que a revogação geral é sempre total, ao passo que a total nem sempre é geral. Por outro lado, a especial tanto pode ser total como parcial.”[16]

Em síntese, a Revogação pode ser Expressa ou Tácita, Geral ou Especial, como também Total ou Parcial.

Da base jurídica da revogação tácita e seus efeitos.

Primeiramente, após o breve estudo sobre revogação, cujo o objetivo não é esgotar o tema, mas apenas iluminar nossa jornada. Passemos agora a estudar se as Leis em destaque, 10.406/02 (novo Código Civil) e, 4.591/64 (Condomínio) estão válidas e vigentes. Antes, devemos informar que não iremos discorrer sobre a revogação expressa, por acreditarmos não ser aplicável à solução do problema apresentado, ademais, pela lógica deste instituto, se houvesse não teríamos motivo do presente trabalho.

Como prelecionado anteriormente, o pressuposto inicial para a caracterização de antinomia jurídica, ainda em discussão, é a validade das normas ditas em confronto. Houve revogação tácita da Lei do Condomínio pelo novo Código Civil?

É imprescindível a verificação proposta, como dito, não encontramos a possibilidade da revogação expressa, o cerne do debate se torna crível no caso de revogação tácita, para tanto, analisemos as origens, atuais, da revogação tácita.
O sistema jurídico pátrio, fazendo um corte epistemológico, tratou da revogação desde 1916, com a lei 3.071(código Civil dos Estados Unidos do Brasil), mais precisamente nos artigos introdutórios da “lex civilis” ;

“Art. 4º A lei só se revoga, ou deroga por outra lei; mas a disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, sinão quando a ella, ou seu assunto, se referir, alterando-a explicita ou implicitamente”[17]

Depreende-se disto a possibilidade da revogação e derrogação, e nos casos de existência de norma geral e especial tutelando o mesmo objeto, permite-se sua revogação naquilo que forem conflitantes explícita ou implicitamente. Apesar de não ser muito claro o aludido artigo, uma coisa é certa, a possibilidade da revogação tácita(implícita) ou expressa(explícita).

A Revogação tácita, foi mantida com a publicação do Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução[18] ao Código Civil Brasileiro)[19], conforme abaixo;

“Art. 2.º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Como a lei acima regulou o mesmo objeto da parte introdutória da lei 3.071 de 1916, conclui-se que esta foi revogada tacitamente por aquela.

Facilmente percebe-se que a revogação tácita é o que poderia se chamar de “calcanhar de Aquiles” para os aplicadores do direito, exigindo destes, esforços em pesquisas, sem falar no interpretativo, afim de encontrar a norma vigente ou pior, a parte vigente.

Com o advento da carta máxima de 1988, o problema fora aventado mas não combatido diretamente, deixando para lei Complementar a disposição sobre elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.[20]

Da revogação das normas pela Lei Complementar n.º 95, de 26 de fevereiro de 1998.

No nosso entender, a resposta à questão proposta, passa pelo estudo da Constituição Federal(CF), visto as normas em debate serem federais mais especificamente os seus princípios, e dos artigos que tratam do processo legislativo (art. 59 e seu parágrafo único, da CF). Vejamos:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de :
I – ...;
II – leis complementares;
...”
Já em seu parágrafo único consta;

“Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.”

Estudando o parágrafo acima, depreende-se o cuidado e importância do tema/objeto, que fez o Constituinte impor a matéria para Lei Complementar(LC), de quorum especial[21], gerando maior legitimidade em sua aprovação e, de maior debate legislativo.

Tamanho destaque não é desnecessário, a doutrina sempre tratou a Lei Complementar como uma norma Constitucional só mais recentemente, esse dogma vem sendo questionado[22], afinal, por ser lei, está sujeita à sanção do chefe do Executivo Federal, diferente do que ocorre com as Emendas Constitucionais, essas, verdadeiras normas Constitucionais.

Independente, a Lei Complementar possui especificidades, que podem não lhe dar o título de Constitucional, mas lhe garante posição diferenciada às demais Leis Ordinárias e outros atos legislativos/normativos, que trata o Art. 59 da CF.

Afim de cumprir o determinado no parágrafo único do Art. 59 da CF, as autoridades federais num setor até então desprovido de disciplinação legal, promulgaram em 26 de fevereiro de 1998 a Lei Complementar n.º 95, entrando em vigor, após “vacatio legis”, no dia 26/05/98. Regulamentada, no que havia necessidade, pelo Decreto n.º 2.954, de 29 de janeiro de 1999, sendo, posteriormente, alterada parcialmente pela LC n.º 107, de 26 de abril de 2001.

A LC n.º 95, em sua redação inicial, tratou, entre outras coisas, de regulamentar o problema das antinomias mais delicadas, quando trata-se da possível revogação tácita de Leis e dispositivos legais, assim definidas em seus artigos 7.º, IV e, 9.º, transcritos abaixo;
“Art. 7º ......
......
IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.” (grifos nossos).

“Art. 9º Quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas”

Notório é a vontade legislativa de findar a possibilidade da revogação tácita, que tanto problema traz, visto a sua imprecisão e vagueza, como dispunha as leis federais na sua parte final Revogam-se as disposições em contrário. Começava o desafio, quais as normas que estariam em contrário?

Ainda pela LC n.º 95, em seu Art. 3º determina que as leis serão estruturadas em três partes básicas: Parte Preliminar; Parte Normativa e Parte Final (art. 3º, I, II, III). Na Parte Final de cada Lei (Art. 3º, III), dispõe que conterá “a cláusula de revogação quando couber”.

Com a alteração promovida pela LC n.º 107, de 26 de abril de 2001, em vigor na data de sua publicação, em especial sobre Art. 9.º, este fora aprimorado a exigência da revogação expressa, como vejamos:
“Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.(NR)

O artigo acima, possuía um parágrafo único, vetado pelo Presidente da República, que dispunha;

“Parágrafo único. A cláusula de revogação de consolidação adotará a fórmula ’são formalmente revogados, sem interrupção de sua força normativa’, seguida da enumeração prevista no caput deste.”

Os motivos do veto[23], deste parágrafo, elucidam e demonstram a clareza da norma, quanto às cláusulas revogatórias, vejamos;
“Todas as regras que dizem respeito à consolidação das leis se encontram devidamente sediadas em capítulo próprio na Lei Complementar n.º 95, - Da Consolidação das Leis e de Outros Atos Normativos. Não bastasse isso, comando similar ao do parágrafo único do artigo 9º encontra-se no § 1º do art. 13, local esse apropriado para abrigar norma nesse sentido. Dessa forma, o dispositivo também contraria o interesse público.”

Depreendemos que:
1 – A partir de 26/05/1998, todas as normas elencadas no art. 59, da CF, e as demais estipuladas no art. 1º da LC n.º 95, estão sujeitas aos ditames desta, quanto à sua elaboração, alteração e redação;
2 - A Lei deverá conter três partes: Preliminar, Normativa e Final (Art. 3.º);
3- Na parte final deverá conter, entre outras, as cláusulas revogatórias quando couber (Art. 3º, III);
4 – Se houver necessidade de cláusula de revogação, nesta deverá vir expressamente os dispositivos e leis a serem revogadas (Art. 9.º).

Destarte, nos parece, que está vedado a revogação tácita ou genérica, na elaboração das normas federais, estipuladas no art. 59 da CF e do Art. 1.º “caput” e seus parágrafo único, da LC n.º 95.

Analisando a parte final da lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil), local que deverá conter as cláusulas de revogação conforme acima exposto, que está adstrita entre os artigos 2.028 a 2.046, encontramos o Art. 2.045, como cláusula revogatória;

“Art. 2.045. Revogam-se a Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei n.º 556, de 25 de junho de 1850.
Outro artigo, trata da validade dos atos constituídos antes da vigência do atual código, e que deverão obedecer ao disposto nas leis anteriores(Art. 2.046), referidas no art. 2.045, ou seja, ao antigo Código Civil e a Parte primeira do Código Comercial.

 

Conclusão sobre a validade das normas em questão.


À Luz da LC n.º 95 e sua alteração, vigente desde 26/05/1998, que determina a explicitude das leis ou disposições legais revogadas(Art. 9º) pela nova Lei, concluímos que, apesar do novo Código Civil tratar do mesmo objeto que a lei n.º 4.591(condomínio), esta não foi revogada, mantendo-se vigente para todos os efeitos legais, posto que, não fora indicado no artigo 2.045 da Lei n.º 10.406/02, qualquer menção expressa da “mens legis” da revogação daquela.

Da Antinomia Jurídica instaurada.

Sob um primeiro olhar, percebemos que estamos diante de uma antinomia jurídica (conflito de normas), há duas normas vigentes, do mesmo nível (Federal), de momentos diferentes (uma de 1964 outra de 2002), mas que tratam do mesmo objeto, ou seja, da multa pelo atraso no pagamento da parcela devida a cada condômino.
Mas, não podemos deixar de citar o saudoso Carlos Maximiliano, que com lucidez invejável leciona e nos adverte:

“Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta ‘desconfiar de si’; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica.”[24]
Sustentado por este mandamento, seguiremos, humildemente e “a pisar em ovos” adentrando nesta seara.

Enfim, qual das normas deve ser aplicada? O Novo Código Civil ou a lei do Condomínio? Nota-se que o resultado dessa questão, afetará bruscamente possíveis litígios, bem como os que estiverem em andamento, mas que tratem de parcelas vencidas após 11/01/2003[25].

A Hermenêutica propõe estudar a antinomia e resolve-la, pelo uso de uma entre as três regras básicas, que são : 1- Hierarquia; 2- Especialidade; 3 – Temporal/Cronológica. Para nosso estudo, abordaremos os três métodos para dirimir a questão, independente se são excludentes ou complementares.

Essas propostas interpretativas são úteis e necessárias e foram reflexo de uma constante e insaciável volúpia legislativa, criando-se Lei após Lei, sem qualquer estudo ou preocupação em aprimorar as já existentes, e nem a necessária indicação dos dispositivos revogados, para melhor aplicação da vontade da Lei.

A título de início do nosso estudo e na tentativa humilde de encontrarmos a resposta à questão proposta acima, passaremos por uma breve lembrança da regras básicas oferecidas pela Hermenêutica, e as cotejando com o problema apontado neste artigo, vejamos então as regras clássicas, Hierárquico; Especialidade e Temporal(cronológico):

1 – Hierárquico- Essa regra propõe que havendo a antinomia, deve-se verificar se uma delas é de nível superior a outra que está em conflito, e em caso positivo deve-se aplicar a primeira. A Hierarquia entendida, a grosso modo, é aquela proposta por Kelsen: Normas Constitucionais, Normas Legais(infra-constitucionais) e Normas Regulamentares(infra-legais), devendo as primeiras se sobreporem às seguintes.

Ressalta-se ainda, que o Brasil, pelo sistema federativo, proporciona a existência de Legislação Federal, Estadual e Municipal[26], daí, o princípio hierárquico, nos primeiros momentos interpretativos a conclusão era que, havendo uma norma Federal em conflito com uma Estadual, dever-se-ia aplicar aquela e, adotando-se o mesmo raciocínio quanto a Legislação Estadual frente à Municipal.

A moderna Hermenêutica, sobre o método hierárquico, leva em consideração não só o nível criador da Lei, mas também a COMPETÊNCIA Constitucional sobre o objeto da Norma, assim, como exemplo, encontramos[27] a existência de normas Municipais que devem ser aplicadas em detrimento às Estaduais ou Federais e, as Estaduais frente às Federais, devido a determinação Constitucional.[28]
Quanto ao objeto deste estudo, entendemos não poder resolve-lo usando esse método, posto que as conflitantes são egressas do poder Legislativo Federal e de natureza Ordinária.

2 – Especialidade: Por este método[29], é proposto a resolução da antinomia por uma simples frase “Norma Especial revoga norma Geral no que for conflitante a Segunda com a Primeira”. Muito usual é este método, e adorado pelo legislador ou pelos grupos de interesses sobre aqueles, veja exemplos atuais e notórios, como a aplicação do Cod. De Defesa do Consumidor frente às relações ditadas pelo Cód. Civil; A proposta do Estatuto do Torcedor frente ao CDC; a legislação regulamentadora do sistema financeiro dispensando a aplicação do Art. 192, § 3.º da Constituição Federal que limita os juros em 12% ao ano.[30]

Para este método, encontramos um grave problema. O que vem a ser Norma Geral e Norma Especial?. É tradicional dizermos, na esfera Civil, que o Código Civil é norma Geral, e demais normas reguladoras da vida Civil são consideradas especiais. Mas o que dizer das normas reguladoras de condutas ou objetos que não foram tratados pelo Código Civil de caráter geral?

Outros defendem que norma geral é aquela aplicada no território federal e as demais, produzidas pelos Estados membros e Municípios serem tratadas com local, ou, mais específicas.

Continuando nosso pequeno estudo, como tratar a questão da especialidade se houver uma norma “especial” anterior em conflito com uma norma “geral” posterior, quando regulam o mesmo objeto?

Destarte, resolvendo nosso problema por este método, Especialidade, chegaríamos a conclusão que a lei do Condomínio não foi revogada pelo novo Código Civil por ser considerado este norma Geral e aquele norma Especial. Portanto, a multa ainda contínua de até 20% sobre o débito.

3 – Temporal/Cronológico: Por este método, a antinomia será resolvida, se houver normas de mesmo nível e da mesma especialidade ou generalidade, a mais nova revoga a anterior, assim, “lei nova revoga lei anterior”.

É pressuposto que a antinomia ocorra entre normas do mesmo nível, competência e especialidade, ressalvado a competência concorrente e supletiva, determinadas na Constituição Federal(art.s 23 e 24 da CF).

Tratando o problema deste artigo usando este método, concluímos que a Lei do Condomínio, sendo do mesmo nível e competência, está revogada TACITAMENTE pelo novo código civil.

Mas, essa interpretação não convence os mais tradicionais posto que, entendem, ser o Código Civil norma geral e a Lei do Condomínio especial, posição que também aceitamos, consideram a vigência “in columi” do estatuto condominial frente ao novo Código Civil.

CONCLUSÃO SOBRE O TEMA INICIAL

A tradição Doutrinária e Legal aceitava a possibilidade da existência de Revogação Tácita, o que gerava enormes transtornos na aplicação do direito.

Com o advento da Lei Complementar n.º 95 e sua alteração dada pela LC n.º 107, determina em seu Artigo 9º a obrigação da revogação ser EXPRESSA de lei ou disposições legais que conflitem com a lei nova, ou que esta queira ver sem vigência.

O Novo Código Civil, instituído pela Lei n.º 10.406, dentro da vigência da LC n.º 95, em seu Art. 2.045, que trata das leis ou disposições revogadas, não há qualquer citação sobre a intenção de revogar a Lei n.º 4.591(Lei do Condomínio).

Desta feita, as relações jurídicas reguladas pela Lei do Condomínio, no que for conflitante com os artigos do novo Código Civil (Art.s 1.331 a 1.358) estão mantidas, dentre elas, o valor de até 20% como multa sobre o débito pelo atraso no pagamento da quota devida a cada condômino.

Por ser mais especializada a lei do Condomínio, esta deverá se sobrepor ao Código Civil o qual trata de forma genérica o Condomínio.

Concluímos que, havendo atraso no pagamento do condomínio, a multa a ser aplicada será o instituído na convenção de condomínio limitada a 20% (vinte por cento) sobre o total do débito e, os juros moratórios de 1% ao mês.

BIBLIOGRAFIA

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__________. Lições preliminares de direito. São Paulo. Saraiva. 2003.


[1] Artigo publicado na REVISTA DE DIREITO PRIVADO - VOL.16 Coordenador:  Nelson Nery Jr Coordenador:  Rosa Maria de Andrade Nery Ano de publicação:  2004
[2] “Falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos lingüísticos” Ferraz Júnior, Introdução. Ed. Atlas. 2003, p. 260.
[3] Diniz, Conflito de Normas, São Paulo, Ed. Saraiva, 1998, p. 15;
[4] Cabe destacar, que em ambas normas, limitam o percentual, deixando ao condôminos, em seus estatutos ou convenções de condomínios, podendo em casos específicos, encontrarmos multas menores que os índices limites.
[5] Bobbio, Des critèries, in Les antinonimies en droit,.p.25-237.
[6] Ferraz JR. Introdução. Ed. Atlas, 2003. p. 209/211.
[7] Acreditamos não ser pacífico, visto a moral está sendo incorporada, lentamente em nosso ordenamento.
[8] Kelsen, Teoria generale, Torino, Ed. Einaudi, 1985, p.195, 353;
[9] França, Hermenêutica jurídica. São Paulo. Ed. Saraiva, 1999. P.107.
[10]Geral, quando abrange a totalidade das normas que regulam certas situações. Especial, quando ocasiona a inocuidade de apenas uma parte determinada da lei antiga, que não sendo substituída de todo pela lei nova, continua em vigor com as modificações desta.”, França, ob. cit. p. 107.
[11] Capella, El derecho. Barcelona, Ed. Ariel, 1968, p.287 e 288.
[12] França, ob. cit  p. 104.
[13] Idem, p.104.
[14] Trata do Código Civil de 1916, no vigente vide os Art.s 2.045 e 2.046.
[15] Segundo o eminente prof Rizzatto Nunes “Na verdade, a especialização não implica exatamente revogação, mas normatização nova de certo setor, que passa a ser regulado por norma jurídica específica”. Manual de Introdução. Ed. Saraiva. 2002.p. 205.
[16] França, Op. cit. p.109
[17] Texto conforme grafia da época, Maximiliano. Hermenêutica. RJ, Ed. Forense. 2001. P. 323.
[18] A chamada Lei de Introdução ao código Civil não se restringe a estipular normas de aplicação ao Código Civil propriamente dito, embora a este anexada. Ela estende seu império a todos os Códigos e demais disposições legislativas, seja qual for sua natureza, pública ou privada.
[19] Entrou em vigor em 24 de outubro de 1942, por força do Dec.lei n.º 4.707, de 17-9-42.
[20] V. art. 59, parágrafo único da Constituição da Republica.
[21] V. Art. 69 da CF “As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”
[22] Rizzatto Nunes. Manual de Introdução. S. Paulo. Ed. Saraiva. p. 76.
[23] V. Mensagem n.º 393, de 26 de abril de 2001, encaminhada ao presidente do Senado Federal pelo Presidente da República.
[24] Maximiliano. Hermenêutica. op. cit. P. 110, nota de rodapé 4.
[25] Início da vigência do Código Civil Brasileiro de 2002.
[26] Não devemos esquecer que existe ainda o Distrito Federal como gerador de legislação.
[27] Trata da possibilidade da existência, sendo mais comum a ultrapassagem da competência vindo de normas chamadas inferiores frente à competência de órgão legislativo superior (Lei municipal frente a competência, exclusiva ou supletiva, Estadual e, esta frente à Federal.
[28] V. art.s 22, 23 e 24 da Constituição da República do Brasil de 1988.
[29] A norma especial ou denominada de especializada, trata melhor, e proficuamente, determinado objeto que fora tratado por outra que regula vários objetos em sua parte dispositiva
[30] Cabe destacar, “data venia” não concordamos com essa interpretação, pelos mesmos motivos que iremos defender nesse artigo.

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